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Tute

Desde pequeno, ainda na tenra idade, o menino atendia pela alcunha de Tute. Pelo que consta, o apelido fora dado carinhosamente pelos seus avós paternos, o nono Luiz, com o consentimento da nona Hermínia. Assim também o chamavam seus pais, seus irmãos, seus tios e primos de ambos os lados da família, inclusive da vovó japonesa que morava tão distante, numa fazenda de café lá nos rincões do interior paulista. Os vizinhos da pacata rua onde residia também o chamavam simplesmente de Tute.
Ele sempre fora uma criança dentro dos padrões da normalidade, como todos os garotos sadios para sua idade, com suas brincadeiras, suas peraltices, seus amigos imaginários, suas curiosidades, sua inocência. Seus ouvidos se acostumaram com o som de Tute pra cá, de Tute pra lá, no curso de sua vida, até então. Mas num determinado dia, para o seu espanto, descobrira que tinha muito mais que um apelido, tinha um nome, não somente um nome, também um sobrenome. Isto aconteceu quando, quase aos sete anos, sua mãe o matriculou no primeiro ano do grupo escolar, ao ouvi-la pronunciar o nome do filho à secretária que preenchia a ficha de matrícula.
Após este episódio revelador, ao menos para ele, chegara o primeiro dia de aula, sente um grande impacto por estar em um lugar estranho, em meio a tantos rostos desconhecidos. A professora pede que cada aluno se levante e se apresente dizendo o nome e, quando é chegada a sua vez, ele fica confuso, ainda não se sentia confortável com a nova situação. Com todo o acanhamento do mundo, se apresenta:
– Meu nome é Tute.
Surpresa, a mestra suavemente fala:
– Sim, bonito apelido, mas diga o seu nome completo.
Com a face ruborizada, quase gaguejando, diz o seu nome de registro. Então, com um nome tão bonito não precisa ficar envergonhado – responde a professora. Passado esse episódio, o menino se dera conta que teria que conviver com o próprio apelido e com o nome próprio. Em casa, entre os familiares e os amiguinhos da rua continuava sendo o Tute de sempre, mas agora tinha além do apelido, um nome e um sobrenome, grafados nas etiquetas que identificavam seus cadernos, a sua cartilha e o boletim escolar. Assim como respondia prontamente quando a professora fazia a chamada pronunciando o seu nome de registro. Daí em diante, então, se acostumara a conviver com os dois nomes.
Observador que era, passou a prestar atenção ao seu próprio comportamento quando o chamavam pelo apelido ou pelo nome. Até que achava engraçado o embaraço que lhe causava, mas de tanto ouvir um ou outro nome isso se tornou familiar para os ouvidos, e logo o cérebro processava.
O tempo passando, o menino crescendo e o Tute continuava a ser pronunciado entre os familiares e os conhecidos de sempre. Todavia, para os novos colegas, que faziam parte do relacionamento do grupo escolar, o apelido já não era tão usual, prevalecia o nome do cartório. Vale aqui um registro, à época, o universo daquela criança se resumia a três horizontes, sua casa, sua rua e a sua escola.
O petiz ainda reinava pela casa, nas imediações, o campinho de futebol nos terrenos baldios era do Tute, assim como a bola, os brinquedos, mas na escola poucos colegas o tratavam pelo nome. Com o passar dos anos, outros lugares o menino passou a frequentar, saindo daquele círculo de mais de sete anos, como igreja e casas de amigos da sala de aula, enquanto a pronúncia Tute ia se resumindo aos familiares e aos amigos da redondeza.
Chegara a adolescência, o Tute continuava a ser lembrado apenas naquele primeiro grupo de amizades, enquanto o nome oficial ia ganhando projeção fora daquelas cercanias. Com a fase ginasial e o ingresso no mercado de trabalho, ele passa a estudar à noite e muitos daqueles amigos do bairro se separam, cada um segue caminhos diferentes. Os poucos que continuavam próximos ainda o tratavam pelo apelido, mas para os amigos recentes valia o seu nome próprio.  Contudo, não se importava se era chamado por Tute ou pelo nome próprio, não que tivesse dupla personalidade, muito menos parecia ato de um sujeito esquizofrênico ou bipolar. Ele simplesmente atendia pelo nome que o chamavam.
No trabalho e para a primeira namoradinha se apresentara com o nome oficial. Todavia, o som da pronúncia Tute aos poucos ia sendo substituído, dando outras características, se adaptando e se portando serenamente ao ser chamado pelo nome de batismo. Vieram o colégio e a faculdade, consequentemente, aqueles primeiros amigos ficaram ainda mais distantes, enquanto que o cognome Tute ia perdendo sua dimensão e em seu lugar se alojando o nome de registro pelos lugares que passara a frequentar. Daqueles amigos de outrora, com eles raramente se encontrava, alguns familiares partiram para outra dimensão. Tinha poucos contatos com tios e primos. Apenas os pais e os irmãos continuaram a trata-lo pelo apelido.
Casa-se, e Tute passa a ser um ilustre desconhecido pela família da companheira, nunca fora referenciado pelo apelido. Vêm os filhos e estes achavam engraçado ouvir os avós e tios paternos, assim como os sobrinhos, chama-lo apenas por Tute.
Passados mais de seis décadas, quando se encontra com um daqueles antigos amigos ainda continua sendo tratado por Tute, bem como por alguns familiares. Assim, sem se importar, muito pelo contrário, sente-se feliz por ter um apelido tão carinhoso e marcante. Sempre que necessário, sem cerimônia, se apresenta com o nome estampado em seu RG – Samuel – mas a criança que carrega dentro da alma nunca deixou de ser o menino, o menino Tute.
Contato: samuel.leo@hotmail.com.br e Facebook@samueldeleonardo.

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