Por Soninha Francine
Na semana passada supliquei a vereadores do PSOL para que não expusessem fotos de vereadores que votaram a favor do SampaPrev como “inimigos dos servidores”. Há milhares de pessoas enfurecidas, boa parte delas alimentada por informações mentirosas, com ódio dos vereadores. Não é assim que se debate nada.
Mesmo que eu me sinta absurdamente prejudicada e injustiçada por um Projeto de Lei, não vou ameaçar parlamentares. A humanidade inventou a política para que as arenas de debate não sejam arenas de luta corporal.
Hoje eu suplico que ninguém defenda o assassino da vereadora do PSOL porque “eles defendem bandidos”. NÃO PODEMOS atenuar execuções e outros homicídios. É DEVER dos civilizados dizer que nada justifica que uma vida seja interrompida por decisão de alguém.
Vejo gente que se apresenta como defensora de Direitos Humanos dizendo que, se mais de cem policiais foram assassinados no Rio, a culpa é deles mesmos. E gente que acha que se um policial chutou a cara de um moleque preto e o executou no chão da favela, a culpa é dos bandidos que matam policiais.
Quem é contra bandido deve condenar assassinos. Deveria ser pleonasmo e não controverso. Quem atirou quatro vezes contra a cabeça da vereadora Marielle escolheu sua vítima, planejou um assassinato e o praticou com crueldade, sem nenhuma intenção de disfarçar, de fingir que foi tentativa de assalto ou “bala perdida”. Isso é execução, e execução é um recado, e executor é um bandido que não pode ser “atenuado”. Como dizem os que dizem que “Direitos Humanos são direitos de bandidos”, não se pode passar a mão na cabeça de um bandido. Seja ele o membro de uma narcoquadrilha, de uma milícia ou de uma força policial.
Não admito dizer que “os americanos mereceram” os atentados ao WTC porque alimentam o ódio no mundo. Não admito dizer que uma bomba atirada em uma mesquita é uma reação justa ao terrorismo cometido por fanáticos que se dizem muçulmanos.
Considerando Lula um criminoso qualificado por sua imensa responsabilidade no saque aos recursos públicos, não aceitaria jamais, jamais, que alguém atirasse uma pedra na sua cabeça. E que alguém receba uma pedrada por achar que o Lula é culpado.
Considerando o Bolsonaro um irresponsável que semeia o ódio, não aceitaria jamais, jamais, que alguém atirasse em sua cabeça. Ou que alguém seja alvo de porretes quem acha que Bolsonaro é um irresponsável.
Podemos e devemos estudar as cadeias de causas e consequências que descambam no ódio e violência exacerbados e descontrolados. No caldo de cultura que produz degeneração social e desequilíbrios individuais. Mas precisamos reprovar, inequivocamente, a mão que puxa o gatilho ou segura o porrete.
Por que tanta comoção por Marielle e não pelas dezenas de vítimas inocentes da violência cotidiana, perguntam alguns. Porque, lastimavelmente, em um mundo degenerado como o nosso, as mortes mais próximas, de pessoas conhecidas, emblemáticas e incomuns causam mais choque. Lastimavelmente, existem os crimes da categoria “mais um”.
Mais uma mulher assassinada pelo ex-companheiro. Mais uma vítima de bala perdida na favela. Mais um político assassinado no Sul do Pará. Mais um líder comunitário assassinado no Mato Grosso. Mais um atentado no Iêmen. Mais um sequestro do Boko Haram. Mais um manifestante de oposição assassinado na Venezuela. Mais uma vítima do narcotráfico no México. Mais uma travesti espancada no interior do Piauí. Mais um policial ferido em confronto com traficantes.
Quando sai do “mais um”, graças a Deus, a gente ainda se choca.”
Artigo da vereadora Soninha Francine-PPS sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (RJ).