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Os ciscos em meus olhos

Todos podem ver que tenho uma doença que não é boa, nenhuma doença é boa. Todos pensam que sou forte. Tenho que ser forte. É uma questão de honra, não posso desapontar todos aqueles que me querem bem. Preciso ser forte, mostrar-me forte. Forte o tempo todo.
Quando criança ouvia os adultos afirmarem “homem não chora”, como se chorar fosse sinônimo de fraqueza. Então escondido, chorava baixinho, ouvindo sozinho os meus soluços, por vezes simulávamos um cisco nos olhos.
A gente cresce acreditando que aquilo de “que homem não chora” é verdade. Uma vez adulto, é impressionante a quantidade de ciscos que entram em nossos olhos. Insistimos em ouvir baixinho os nossos soluços, receosos em se expor. Tentamos nos enganar, acreditando que os ciscos podem causar soluços.
Não tenho receio em me expor, mas raramente alguém comenta comigo sobre as minhas condições, parece que não ficam à vontade para falar do assunto. Percebo uma certa distância. Mas falar sobre o Parkinson, particularmente para mim, é uma forma de desafogar e desmistificar a síndrome. Compreendo perfeitamente a posição daqueles que se esquivam do assunto. Compreendo e até entendo…
Tenho lutado o máximo possível nos últimos anos, doze anos. É uma luta sem igual, até agora tenho vencido quase todos os rounds, sempre atento para não ser nocauteado, mas no final eu sei que perderei, por pontos ou por nocaute.
Na melhor das hipóteses, tenho uma série de rounds para enfrentar. Na pior, me refugiar no canto do ringue e esperar os golpes pacientemente, sem reagir.
— Um momento, acho que entrou um cisco aqui nos meus olhos. Pronto, parece que saiu.
Bem sei que o que me aflige não é uma condenação, mas não creio que a ciência tenha a curto ou a médio prazo uma solução para a cura absoluta, me resta então seguir o tratamento e as orientações dos profissionais da saúde.  Tentamos ludibriar o cérebro, exercitando o cognitivo, porque é muito fácil entregar o jogo, tornar-se negativo e ficar isolado em casa contemplando as paredes e marcando a bunda no sofá. É necessário ser resiliente, detectar o lado positivo dos fatos e não ceder em momentos difíceis. Não é fácil.
— Caramba, outro cisco? Um momento, está saindo.
Manter-se vivo não depende da nossa vontade, somos meros mortais sujeitos às “variáveis incontroláveis” que a vida proporciona a cada ser, pois a vida neste plano, assim como bem sabemos, é finita. Não podemos prever o dia da nossa partida,  mas desejo muito ter uma velhice com qualidade, podendo desfrutar os bons momentos com familiares e amigos queridos.
Resistirei o quanto puder. Desejo viver o tempo suficiente, o tempo que eu merecer, controlando a minha saúde, mesmo sabendo que as “variáveis são incontroláveis”.
Ah, em tempo, obrigado por me ouvir e entender “os ciscos em meus olhos”.
“Não importa o quanto você bate, mas sim o quanto aguenta apanhar e continuar. O quanto pode suportar e seguir em frente.”  Rocky Balboa
Contato: samuel.leo@hotmail.com.br e Facebook@samueldeleonardo.

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