O DESCARTE

A tarefa de poder lavar o seu próprio carro todos os sábados é privilégio de quem mora em casa e tem uma garagem com espaço suficiente. O cara passa horas e horas alisando a máquina como se aquele monte de lata fosse uma deusa. Tem todo um aparato de tralhas, o xampu com cera para dar proteção e brilho, depois vem o “pneu pretinho” para passar nas rodas, perfuminho para o interior do carro e outros apetrechos.
Aníbal é um desses privilegiados que pode todos os finais de semana dar um trato no possante. Adquiriu até uma lavadora de alta pressão. Acorda cedo, aspira e depois com o equipamento desperdiça água dando um banho de horas no objeto de estimação.
Toda semana é a mesma coisa, chova ou faça sol, faça calor ou faça frio, virou uma obrigação. Primeiro, lava o carro da mulher, depois o seu com mais esmero e quase sempre tem a companhia da filhinha que entre uma brincadeira e outra com a água ajuda o pai.
Numa ocasião, ao fazer a limpeza do interior do seu veículo deparou com um nécessaire embaixo do banco do passageiro:
— Vixe! Isso é coisa de mulher. De onde apareceu isso?
Logo se lembra da noite anterior quando deu uma escapadinha após o expediente com o pessoal do escritório
Nada de mais, só uns chopinhos. Uma carona para uma colega apenas. Porém, tem um problema, sua mulher é ciumenta e por mais que explicasse não o entenderia.
— Pombas, a safadinha da Érika deve ter deixado esta merda de propósito para me ferrar. Eu sei que ela está afim e a minha mulher não nutre nenhuma simpatia por ela.
Começa o desespero. Fala consigo mesmo:
— O que fazer para não criar uma situação embaraçosa?  Pensa rápido, pensa rápido cara, senão você tá morto.
Como o medo é o pior inimigo para se consertar coisas erradas, só pensou em uma possibilidade… de se livrar daquilo. Num golpe rápido atira a prova do crime para o quintal ao lado.
Aninha viu o pai arremessando o objeto e correu para dentro de casa, e aos gritos acusa a ação:
— Mãe, mãe, sabe o papai? É, o papai.  Ele jogou a sua bolsinha de maquiagem na casa da vizinha. Eu vi, eu vi.

Samuel De Leonardo (Tute) é publicitário. Atuou em diversas agências de Publicidade de São Paulo. Publicou os livros: “Hacasos” em 2016 e “Versos & Prosas” em 2022. Tem alguns de seus textos inseridos nos sites Recanto das Letras, Casa dos Poetas e das Poesias, e textos radiofonizados na voz do âncora Milton Jung, no programete Conte a sua história de São Paulo da Rádio CBN SP. samuel.leo@hotmail.com.br e Facebook@samueldeleonardo.