Depois de mais de 20 anos de experiência na área do direito do consumidor, tendo sido Diretora Jurídica do Procon SP e do Instituto de Pesos e Medidas de SP, pude verificar que, muito embora o mercado de consumo esteja em pleno desenvolvimento e inovação e, dessa forma, busque novas formas de comercializar seus produtos e serviços, os problemas envolvendo o consumidor são antigos e persistem, tendo se agravado, ultimamente, em razão da pandemia causada pelo Corona Vírus.
Assim, buscando trazer luz ao problema e alertar os consumidores, resolvi escrever o presente artigo, com o objetivo de destacar alguns dos abusos praticados no mercado de consumo e possibilitar que o consumidor seja instrumento de trahnsformação não apenas da sua realidade como do próprio mercado de consumo.
É inquestionável que a relação de consumo é composta pelo desequilíbrio de forças entre consumidor e fornecedor, posto que o último detém os meios de produção e as informações sobre os produtos e serviços comercializados. O distanciamento provocado pela produção em massa reduziu sensivelmente a possibilidade de o consumidor negociar condições, prazos e ainda as cláusulas do contrato, sendo característico dessa relação a utilização de contratos de adesão, ou seja, aqueles marcados pela impossibilidade de modificação das clausulas que são pré-estabelecidas pelo fornecedor. Diante de tal cenário, se mostrou imprescindível a existência de um conjunto de regras (O Código de Defesa do Consumidor) que garantissem direitos, maior transparência, informação e respeito ao consumidor.
Contudo, apesar da existência de regras claras de consumo, certo é que o descumprimento dos direitos do consumidor ainda é frequente e corriqueiro, seja no momento da oferta ou, ainda, no transcorrer da relação de consumo.
Apesar da dinamicidade em que as relações de consumo são atualmente travadas, é possível observar que o cerne do problema continua sendo o mesmo, qual seja, a falta de informação clara, correta e inequívoca acerca dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo, que acabam por gerar uma legítima expectativa no consumidor que é posteriormente frustrada ou, ainda, pela cobrança de valores não devidos.
É comum encontrar nas lojas e no comércio em geral informações do preço do produto a prazo (5×60 ou 3x 120, etc…), ficando para o consumidor a obrigação de fazer o cálculo do valor a vista, o que viola diretamente o disposto no artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor. As informações referentes ao preço do produto devem ser prestadas de forma clara, inequívoca, de forma a possibilitar que o consumidor ao olhar para o produto saiba qual é valor total à vista e, se parcelado, se há ou não incidência de juros, o montante destes e o valor final a ser pago.
Somente dessa forma o consumidor pode exercer de forma plena e livre seu poder de escolha e selecionar o produto que melhor atende suas necessidades possibilitando a comparação da qualidade, características, preço etc.
Destaco ainda que, durante o período da pandemia houve um aumento de 238% das reclamações, no PROCON-SP envolvendo problemas com as vendas on-line, vez que estas tiveram um crescimento de 40%. As reclamações consistiam, na maior parte das vezes, no descumprimento da oferta (preços promocionais que desapareciam quando o produto era colocado na cesta, atrasos nas entregas ou não entrega etc.) e a falta de informação clara. Ou seja, as empresas no afã de comercializarem seus produtos, aproveitando o período de reclusão dos consumidores em suas residências, se prepararam para vender, mas não para entregar os produtos.
Verificou-se ainda um aumento das possibilidades de parcelamento no pagamento dos produtos e de uma oferta agressiva de crédito e empréstimos, o que acabou por superendividar o consumidor que já passava por dificuldades financeiras, agravadas pela pandemia.
Muito embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC) já contemplasse uma série de comandos que visavam disciplinar a oferta do crédito tais como: preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; acréscimos legalmente previstos; número e periodicidade das prestações; soma do total a pagar, com e sem financiamento (art. 52), a Lei 14.181, introduziu no CDC uma série de normas visando aperfeiçoar a disciplina do crédito.
Agora, o fornecedor deve descrever de forma prévia e detalhada quanto o consumidor irá gastar para fazer o empréstimo ou obter crédito, incluindo o valor dos juros mensais e o total no momento da quitação, bem como, o percentual de juros incidentes no caso de atraso ou não pagamento das prestações, como também, o direito de efetivar o pagamento antecipado da dívida sem qualquer custo adicional. (art. 54-B) O abuso dos direitos dos consumidores infelizmente tem se agravado em alguns setores da economia, tais como telefonia, setor bancário, dentre outros, mas pesquisas mostram que “reclamar” resolve e incentiva as empresas a mudarem sua postura
Assim, muito embora, o cumprimento dos direitos dos consumidores pareça um sonho distante ou uma realidade quase inatingível, fato é que o fornecedor apenas muda sua postura no mercado de consumo quando boicotamos o fornecedor que viola os direitos do consumidor, quando fazemos “barulho” e expomos o problema nas mídias sociais, reclamamos aos órgãos de defesa do consumidor, possibilitando que outros consumidores tomem conhecimento e, assim, não sejam igualmente desrespeitados. De forma que, sob uma ótica maior, somos nós consumidores que podemos fazer a diferença e exercermos nosso papel transformador evitando que maus fornecedores continuem a lesar o consumidor sem que nada aconteça.
Adriana Cristina Pereira é advogada e mestre em Direito Político Econômico pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie e especialista em direito do consumidor, coautora do livro “Código de Defesa do Consumidor Interpretado, artigo por artigo, parágrafo por parágrafo”, da Editora Manole e é Professora Universitária de Direito do Consumidor. Email: adrcpereira77@gmail.com
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